Por Augusto Melchior

Digamos que haja um farol, bem alto e luminoso, mas cercado por uma neblina escura que consome tudo. Que consome o tempo.
Digamos que eu seja aquele que está tentando chegar ao farol e você foi uma voz que delirava e sussurrava devaneios e sonhos coloridos e eu queria viver todos eles. Queria viver todos eles e ainda aquilo que você é. Queria viver suas angústias e te ver lidar com elas. Queria entender as minhas dores e poder te ajudar com as suas. Mas perdido, são dias e dias na névoa, são dias e dias sozinho, dias e dias cego.
(tente olhar em seu coração e encontrar o caminho para sua própria alma)
Eu me vejo em uma mesa de jantar: nós teríamos nos sentado para comer, sorrindo, todos os três, e o apartamento aos poucos teria se enchido de risos e amor. A mesa farta, comida, vinhos, pratos enfeitados, talheres tilintando sob uma luz ocre, suave e aconchegante, o dia não poderia ter sido mais quente e a noite não poderia estar mais fresca.
Você estaria lá, toda estrelas debaixo do gelo, toda fogo por trás do espelho e eu me veria em você. Mas você, tão bela, é também aquela que mais me torturou e mais me fez saber que a beleza esconde armadilhas e que o pior de se tentar viver um romance é que a experiência destrói o romantismo.
Naquela noite, talvez apenas naquela noite (talvez), a bebida aqueceria nossas almas, sua mãe cantaria canções de noites claras e belas e jovens, a conversa tomaria rumos inusitados, o farol estaria cada vez mais perto, o cheiro molhado da água salgada, o vento no rosto, a costa alva, o dia sombrio, a noite sorridente, o mar e o calor, o toque e o riso: coisas frágeis seriam construídas, como castelos de areia em momentos como aquele, instantes delicados como palavras ao vento e poderosos como as asas de uma borboleta. Coisas frágeis permaneceriam, eternas e sublimes, adornando memórias e lembranças como brincos e pulseiras em braços de princesa.
Coisas frágeis fariam transbordar a noite pelas almas perdidas daqueles três que teriam se sentado para comer, sorrindo, em um apartamento que teria se enchido de risos e amor, não fosse a fria luz que saía de seus olhos e que aos poucos me afogou.
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