top of page

A Vila de Ouroboros

Foto do escritor: Revista Só LetrandoRevista Só Letrando

Por Mariana de Abreu Brassica



Ouroboros era uma vila perdida, afastada de qualquer resquício de civilização. Seu entorno era tomado por árvores mortas, sem qualquer folha restando em seus galhos, com grama seca e rala, que nem o animal mais desesperado por alimento seria capaz de aproveitar algo.


Um homem andava em direção àquele lugar rondado pelo cheiro podre de carne putrefata, seguindo por uma estrada espreitada por animais mortos, que tinham suas carnes devoradas por ratos e larvas, além de esqueletos misturados entre o que pareciam ser homens e animais. Sinais religiosos tomavam as encostas, como se tentassem exorcizar aquele local, onde tantos pecados eram venerados, ou apenas manter aqueles malditos demônios trancafiados naquele lugar esquecido por nosso Senhor.


O homem sentia seus pés sangrarem pela caminhada e sabia que ninguém o ajudaria. Era apenas mais um exilado, enviado para Ouroboros por seus crimes, que, na verdade, nem eram seus. Que homem, temente a Deus, como era, protegeria uma bruxa, mesmo que fosse sua esposa? Ele preferia morrer a ter seu destino enlaçado com o Diabo daquela forma. Que a Inquisição queimasse aquela mulher, escrava de Satanás, e forçasse-a a se redimir de seus pecados e mentiras contra tantas pessoas que apenas buscavam redenção.


Com o líquido vermelho marcando o chão de terra, mesmo que aquilo mais parecesse areia, ele continuou andando, carregando a cruz daquela maldita mulher, que agora jazia em cinzas em algum lugar que preferia não pensar sobre. Sentia seu peito subir e descer, pela dificuldade na respiração depois de tantas horas rumando em direção àquelas terras tão longínquas.


Seu corpo caiu no meio da estrada, ainda sentindo seus pés queimarem pelos machucados do caminho. Seu corpo não possui força alguma, e isso só aumentava a certeza de que Deus não o considerava mais seu filho, abandonando-o naquele lugar imundo e regado da mais pura maldade humana. Seus olhos fechavam aos poucos, e sua mente mantinha pensamentos que trafegavam entre a tristeza e o mais puro ódio pela situação em que estava.


Aquele homem morreu, amaldiçoando a tudo e todos que existiram em sua vida até aquele momento. Colocaram-no no mundo para que pagasse por pecados alheios, ainda mais de uma bruxa maldita, que cultuava aqueles malditos demônios, marginais do inferno. Sentiu seus olhos finalmente se fechando, e foi a última vez que aquele homem respirou, completamente esquecido por Deus.


Os ratos, assim que a respiração humana pausou, subiram agressivamente sobre o corpo morto, arrancando-lhe pedaços de carne com os dentes cheios de vermes em solavancos famintos de animais irracionais.


Aquela foi apenas mais uma alma que morreu antes de chegar a Ouroboros, a vila maldita, esquecida por Deus. As lendas dizem que ninguém entra nem sai da cidade se o próprio Diabo não desejar isso. Lá, ele recruta seus soldados, já que tudo que consegue chegar lá respira a mais pura maldade humana, assassinos, estupradores, bruxas, prostitutas e ladrões. Todos estão lá apenas para que a vontade do inferno venha à Terra.


Ouroboros possuía um líder, originalmente sem nome, mas filho bastardo de algum rei rodeado de amantes. O pecado corrompeu aquela alma desde o seu nascimento, dando a vida a uma criança sem nome, que passaria a ser chamada por seus seguidores de Scorpio, já que sua natureza consistia em matar qualquer pessoa que permanecesse ao seu lado, com qualquer tipo de relacionamento.


Era o próprio anticristo, com seu punho de ferro. Comandava Ouroboros como se estivesse adestrando seus próprios cães do inferno, seus próprios caçadores, que mesmo vivendo em extrema pobreza, eram tão poderosos e destrutivos quanto a própria Inquisição. Acreditava que a antropofagia concedia a força aos seus iguais, sempre salvando o corpo de algum soldado morto.


A vila era exatamente como as lendas contavam, repleta daquilo que Deus condena, dos mais ínfimos pecados. Ninguém chegava a Ouroboros se não fosse realmente merecedor de descer ao inferno, junto de todos os outros demônios, após o fim da vida.

 
 
 

Comments


Post: Blog2 Post

©2020 por Só-Letrando. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page