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Entrevista com Maycon Prates

Foto do escritor: Revista Só LetrandoRevista Só Letrando

Atualizado: 13 de dez. de 2021

Por Camila Carnello


Maycon é aluno do sétimo semestre de Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem 25 anos e é uma pessoa com deficiência. Tem paralisia cerebral. É escritor periférico e marginal. Veio de uma família muito simples que trabalhava muito nas roças do sudoeste baiano. Seus avós, tios e pais são todos analfabetos.


Tiveram de trabalhar desde muito cedo para trazer o sustento para casa. Por isso, cursar uma faculdade, ser escritor, lidar com as palavras e ter um livro é muito significativo para ele devido a sua origem e história pessoal e familiar.


Sabe-se que a falta de acesso à educação no Brasil é muito grande. Apenas 15% dos brasileiros possuem um diploma universitário, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Como é para você vir de uma família simples, ser estudante de Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie e escritor do livro “PUERIL”?


Logo de cara essa é a pergunta que mais me emociona! Isso tem um significado tão imenso para mim, sabe? Eu vim de uma família que, muito menos que acesso, não teve direito à escolha pela educação. Era necessário, antes, sobreviver. Colhiam o sustento das plantações que faziam nas roças lá da Bahia. No final dos anos 1970 e início da década de 1980, boa parte migrou para as periferias da capital paulista em busca de melhores oportunidades de vida e até hoje aqui estão. O meu pai costuma dizer: “Eu não sei ler nem a letra “o”, mas eu tenho um filho escritor que estuda no Mackenzie.


Então, ter a consciência do espaço representativo e dos acessos que tenho hoje me deixa muito orgulhoso, pois sei que toda essa luta e conquista não procedem apenas de mim e, sim, dos meus pais também que lutaram muito para que eu tivesse o que eles não tiveram a oportunidade de ter. Saber que alcancei o ensino superior como bolsista, ainda mais em uma universidade tão renomada e ser escritor vindo de uma família que não sabia ler, faz-me ter a dimensão de que ainda tento assimilar tudo que conquisto. É uma forma de agradecimento às lutas enfrentadas por meus antecessores. Como sempre adoro bradar por aí: “A educação e a literatura também pertencem aos Prates!”


Na escola e na faculdade, quais barreiras você encontrou quando criança, adolescente e enfrenta até hoje?


Creio que minha maior dificuldade desde cedo foi a de me enturmar, talvez, pelo fato de ter sofrido bullying nos anos iniciais da escola. Eu era excluído por ser uma criança com deficiência, situação que cessou nos anos seguintes. Todavia, por conta disso, tornei-me uma pessoa muito calada e resguardada. O pessoal da minha sala pode até confirmar que realmente sou muito quietinho, não por não querer conversar, mas por esse ser meu jeito mesmo. Amo minha sala! Fora isso, não me rememoro de outro obstáculo enquanto respondo a esta entrevista.


Na escola e na faculdade, eu sempre fui inteiramente dedicado e nunca me ocorrera de ter absurdas dificuldades na aprendizagem. Sou tão excelente nas áreas de humanas como sou nas de exatas, tanto que, ao sair do ensino médio, cheguei a ter interesse em cursar licenciatura e matemática. Antes de ingressar em Letras, cursei cinco semestres em contabilidade, mas logo desisti e foi a melhor decisão que tomei na vida. Aqui, encontrei minha paixão por Letras e descobri minha vocação para escrever. Por muito pouco, a literatura perderia um poeta.


Quando você começou a ter interesse pela área literária, o que te motivou a escrever? Fale um pouco do que seu livro trata. Como aconteceu a escolha do tema e como foi o processo criativo?

Sempre me disseram que eu tinha aptidão ou dom para escrever. Desde muito cedo, dispunha de certa facilidade em me expressar perfeitamente na forma escrita. No entanto, só me engajei realmente neste ofício após me desvencilhar da área contábil no final de 2016. Abandonei o curso e logo ingressei em Letras por outra instituição. Foi lá que tive o definitivo e vital contato com literatura. Já nessa época, eu possuía enorme admiração pelo

meu escritor favorito: Machado de Assis. Também conheci meu outro ídolo: o poeta Camões! A junção dessas leituras com os estudos literários ampliou minha audácia em escrever.

A ideia do livro fora um impulso. Eu nunca um dia podia imaginar que seria um escritor, autor publicado. Eu tinha guardado comigo um compilado de poemas escritos em um triênio de 2016 a 2019. Poemas puramente criados no lazer de criar arte, mas que traziam com eles densos significados. Todavia, somente decidi lançar o livro após o falecimento da minha mãe no começo do ano do lançamento. Prometi-lhe que seria grande e serei na literatura. O tema, ou melhor dizendo, o nome da obra, Pueril, surgiu pelo fato de ser a primogênita de um jovem escritor, o começo de uma carreira. Minha própria infância na

literatura.


Como você se disciplinava? Fazia metas ou apenas escrevia?


Como já mencionei antes, não houve a estipulação de metas ou sequer eu me disciplinei ao escrever. Escrevia pelo simples apreço à arte e à literatura. A carreira literária era algo, até então, impensável. Salvo alguns poemas que foram escritos organizadamente, mas isso quando o projeto do livro estava em vigência e os escrevi para complementar um pouco os conteúdos abordados dentro da obra que achei pertinente compor. Atualmente, já com essa minha jovem carreira no mundo editorial, busco organizar-me para exercer meu trabalho e redigir os textos.


Não mais escrevo apenas poesias, aventuro-me, também, nas crônicas e contos, o que requer de mim muito mais empenho e concentração do que os poemas que me surgem de ímpeto. O único problema é que tenho uma grave dificuldade de organização, algo que preciso melhorar em mim, sem contar esse contexto pandêmico que desregulou a vida de todo mundo. Vem sendo uma batalha árdua para me organizar, mas, de pouquinho em pouquinho, vou encaminhar os novos projetos.


Quando você percebeu que o mundo periférico poderia se tornar uma inspiração para o seu livro?


Eu sou o que sou, porque sou daqui. Minha origem é indissociável a mim e minhas vivências de um jovem preto, pobre, periférico e de pessoa com deficiência estão expostas em minhas composições, seja eu agente ou não dos enunciados. Faço questão de trazer essa denominação por saber que a arte, mais canonicamente falando, não chega aos nossos olhos, a literatura sempre foi escassa aqui na quebrada, porém a periferia virou o jogo e mostra hodiernamente que é capaz de ser sim agente e vetor, consumidora e produtora de literatura.


Olho ao meu redor e vejo tantos escritores no mesmo corre que o meu, alguns mais novos, outros já a algum tempo nessa estrada, todos tentando fomentar com arte o nosso lugar e o futuro de outros jovens. A nossa luta diária é a nossa inspiração e enredo de nossas histórias. Escrevemos para mostrar nossa existência e resistência perante as desigualdades. Um exemplo é meu poema “Raízes”.


Você teve algum apoio para a produção deste livro? Se sim, quem você considera que tenha te ajudado?

Sim e foi isso que não me fizera desistir no meio do caminho dessa empreitada. Se não fosse o apoio da minha família, amigos próximos, meus tão queridos companheiros de sala de aula no Mackenzie e meus mestres na faculdade que muito me orientaram, nada disso que conquistei seria possível.


No entanto, há alguém em especial, que sempre menciono, que me ajudou na constituição do meu Pueril: Vinicius dos Santos Xavier, meu ex-professor de filosofia no ensino médio, meu amigo de militância política e a pessoa que ficou responsável por revisar a obra e escrever de forma tão incrível. Vale ressaltar o prefácio do meu livro, um dos melhores prefácios que já li em toda minha vida, não por ser na minha coletânea, mas pela exímia qualidade na transposição dos conteúdos e assuntos. Perfeito! Agradeço infindavelmente a este meu caro amigo.


Quais dificuldades você encontrou no processo de escrita? Você acredita que algumas dessas dificuldades ocorreram por você ser jovem (25 anos) e por ter paralisia cerebral?

Por ser jovem, não. Aliás, lancei quando tinha 23 anos, porém, muitos escritores afamados e outros daqui mesmo da periferia iniciaram seus escritos prematuramente. Por isso, creio que por esse motivo tive até uma certa receptividade. Agora, por ser uma pessoa com deficiência, sim. Infelizmente, na sociedade, ainda somos muito subestimados e subalternizados, tendo de provar nosso valor e capacidade constantemente. Sem contar que a literatura é muito pouco povoada por PCDs. Há poucos no mercado literário. Sou um dos raros. Um dos meus objetivos como escritor é, também, trazer mais visibilidade e representatividade a nós, pessoas com deficiência, mostrando também que somos produtores de quaisquer artes.


Você deseja escrever mais livros? Fale alguns sonhos que almeja realizar profissionalmente.


Em minha mente, tenho ideias e planos que darão conta de lançar pelo menos mais seis livros, dos mais diversos gêneros e contextos. Uma pequena informação que darei a vocês é que estou produzindo duas obras simultaneamente. Em contrapartida, ainda não possuo previsão para publicá-las. Falta-me dinheiro. Estou desempregado e motivação/organização para pô-los no papel. Como já havia dito, a pandemia retirou-me muito disso. Para mim, é complicado escrever nessa barbárie social. Tem dias que não estou bem.


Sou, antes de tudo, humano também. Um dos meus grandes anseios nessa jornada como escritor e produtor de cultura é trazer e fomentar eventos nas escolas da comunidade onde cresci, poder retribuir o que esse lugar já muito fez pela minha vida. Seria um enorme prazer alcançar esse meu sonho. Por último, quero lançar um livro infantil. Adoro tratar com crianças e lidar com elas na escrita seria um desafio e tanto. A ideia do livro eu já tenho.


Levando em consideração o papel das redes sociais e da internet na contemporaneidade, de que maneira você acredita que esse contexto tem beneficiado escritores e suas obras?

É uma fundamental ferramenta de divulgação para escritores iniciantes e ainda com pouca expressividade no mercado editorial. Eu sou um fidedigno usuário das redes sociais na propagação da minha obra e coisas referentes a minha carreira de autor. Facebook, Twitter, o Instagram com o IGTV e seus reels, e até mesmo o TikTok se transformaram em um instrumento de divulgação com seus curtos vídeos.


Eu gosto de utilizar o TikTok e o Reels de forma bem-humorada, não só para espalhar meu trabalho, mas a literatura em si. Acho que dessa forma posso alcançar muitas pessoas e fazer com que elas se interessem por esse mundo dos livros. Sem sombra de dúvidas, no atual contexto, as redes sociais com sua proximidade, encontros e lives são as principais estratégias de marketing para os escritores.


Quais são seus conselhos a um jovem escritor para conseguir êxito na profissão? Qual mensagem você deixaria para as pessoas com deficiência que possuem o sonho de estudar e escrever um livro?

Continuem e não desistam dos seus sonhos. Mostrem ao mundo seus textos e não os escondam na gaveta por medo de não corresponderem às expectativas. A realização só nasce depois da gestação do sonho. Vocês são os sujeitos desse processo. Cada palavra escrita valerá a pena. Apenas continuem!

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