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Lições em Harry Potter

Foto do escritor: Revista Só LetrandoRevista Só Letrando

Atualizado: 13 de dez. de 2021


Por Camila Carnello


Ana Flávia Furtado conversou com a gente sobre como a saga Harry Potter ajudou as pessoas a lidarem com a depressão


Fale brevemente sobre a história de Harry Potter.


Harry Potter é uma saga mundialmente conhecida por causa do bruxo que sobreviveu ao ataque do pior bruxo das trevas (Voldemort), com apenas uma cicatriz para contar a história. Harry cresce e precisa enfrentar as artes das trevas a todo momento com a volta de Voldemort e, nesse meio tempo, aprende muito sobre o universo bruxo e laços que não podem ser quebrados. É por causa desses laços que Harry aprende lições valiosas a respeito de sua coragem e força e é, também, por esse motivo, que a obra fornece discussões mais profundas apenas no duelo final entre Harry e Voldemort.


“Os dementadores são não-seres das trevas, considerados uns dos mais sujos a habitar o mundo. Dementadores se alimentam de felicidade humana e, assim, causam depressão e desespero para qualquer um perto deles. Eles também podem consumir a alma de uma pessoa, deixando suas vítimas em um permanente estado vegetativo." Explique essas relações que a autora faz entre os dementadores e a depressão.


Como você mesma citou, os Dementadores são esses seres que retiram toda a vida de uma pessoa, deixando-a em um estado de depressão e desespero contínuo. Rowling não se aprofundou muito na questão da depressão e a fez de maneira mais sutil com os Dementadores a fim de trazer o assunto de maneira fácil aos leitores. Assim, os Dementadores não são exatamente os seres mais difíceis de se compreender como uma metáfora para a depressão.


A depressão é um problema que mata milhões de pessoas ao ano no mundo, mas, além disso, é um problema que nos deixa incapazes de continuar a vida cotidiana em alguns aspectos, algo que nos paralisa, nos perturba e nos deixa em um estado de desespero paralítico, assim, como quando um Dementador suga a vida de uma pessoa. A depressão, tal qual esse ser, suga a vida que há em nós, o que é bem interessante de se ver nos filmes, pois colocaram os Dementadores literalmente sugando a essência de Harry.


Você acha que a autora colocou o chocolate como uma forma de amenizar os efeitos da presença de dementadores com o intuito de mostrar um alívio da depressão e ansiedade?


Não posso dizer que foi proposital, mas, acredito que Rowling fez um estudo prévio da depressão a fim de poder ter uma base concreta para trabalhar o assunto, partilhando a questão com um público que ainda está passando por muitas mudanças. Mudanças em um momento muito assustador do desenvolvimento. É quando a criança começa a deixar de ser criança e enfrenta mudanças diversas no corpo, na escola e no meio social como um todo.


Nesse estudo, Rowling pode ter se deparado com o alívio da depressão por meio de estímulos como o açúcar e utilizou o chocolate para representar esse despertar do estado de torpor. É interessante perceber que Rowling não foi imprudente e deixa claro que o chocolate não é capaz de salvar ninguém dos Dementadores/Depressão, é apenas um alívio, algo que nos acalma depois de enfrentar essa crise.


O feitiço que serve para combater o dementador (Expecto Patronum) é a materialização de um animal que representa a personalidade do bruxo. Nos livros é apresentado desta maneira: “O Patrono é um tipo de energia positiva, uma projeção da própria coisa de que o dementador se alimenta: esperança, felicidade, desejo de sobrevivência.’’ Você acredita que esse feitiço, ao formar um paralelo com os meios de melhorias para a depressão, pode ser considerado o apoio psicológico?


O Patrono, sem sombra de dúvidas, representa o apoio psicológico. Se o chocolate não é capaz de combater um Dementador, o Patrono é. No entanto, é importante ressaltar que somente um forte e consolidado Patrono pode enfrentar uma horda de Dementadores, ou seja, apenas uma pessoa com uma boa rede de apoio, suporte psicológico e ajuda das pessoas que ama pode superar a depressão. Acho importante que Rowling coloque o Patrono como uma invocação daqueles momentos em que mais fomos felizes e, é mais importante ainda que seu protagonista não consiga conjurar um patrono de maneira consolidada no início.


Também é interessante notar que o Patrono representa um animal que de alguma forma tem ligação com os sentimentos felizes e profundos da pessoa, os dos pais do Harry são um casal: corsa e cervo, os de Rony e Hermione se complementam, o de Snape se altera e adquire a forma do mesmo Patrono da pessoa que ele mais amou, enquanto o de Harry é justamente o mesmo que de seu pai, a pessoa que se sacrificou para salvar a ele e sua mãe. A forma do Patrono é, portanto, a representação física desse apoio psicológico, que nos dá força para continuar a lutar.


Essas relações com a depressão são trazidas de que forma?


Bem, acredito que de diversas maneiras Rowling incorpora assuntos importantes através da ficção de uma forma muito sutil. A autora nunca aborda a questão de maneira direta, é sempre uma metáfora: ela faz isso com o nazismo, a supremacia genética, o jogo político em momentos de crise e a censura midiática, o mesmo ela faz com assuntos como bullying, preconceito e depressão. Acredito que a construção da depressão é posta em discussão a partir do momento em que ela escolhe o terceiro livro e, portanto, quando Harry entra na puberdade, para tratar deste assunto tão comum em adolescentes. Harry está enfrentando o terceiro ano em Hogwarts, os dois anteriores foram perturbadores e ele ainda é obrigado a voltar para uma família que não o ama ou apenas o considera um ser humano.


É difícil para qualquer pessoa matar um basilisco junto do fantasma de seu maior inimigo, quase morrer envenenado e depois voltar para uma casa em que as pessoas te consideram um alienígena. Harry até tenta escapar desse tratamento ao intuir que poderia praticar magia para se defender, mas, nem isso é o suficiente, pois, ainda há a privação de sua vida social e apoio psicológico: Rony e Hermione, seus laços com Hogwarts mais profundos.


Neste terceiro livro, Harry enfrenta a puberdade junto de um dos piores assassinos bruxos que está à sua procura. Sua fortaleza está ameaçada e, para completar, Rony e Hermione se desentendem e criam uma rachadura no principal apoio que Harry tem além de Hogwarts. É muito para a cabeça de um adolescente, trazer os Dementadores neste momento tão crucial da vida de Harry é de suma importância para trabalhar com o tema da depressão e o modo de combatê-la, de outra maneira, não seria em nada crível que Harry tivesse o psicológico para enfrentar os anos vindouros.


A depressão é trabalhada com os Dementadores, os Patronos, nossas redes de apoio particulares e laços de amizade e amor, é a construção de todo um contexto sutil envolto pela ficção para que se consiga alcançar os jovens de alguma maneira para uma discussão importante, sincera e necessária.


No terceiro livro da saga temos a presença de uma frase muito marcante, em que o diretor da escola de magia de Hogwarts diz que: “a felicidade pode ser encontrada inclusive nos momentos mais escuros, só é preciso se lembrar de acender a luz.” Você acredita que a autora quis passar a mensagem de que precisamos ver o lado positivo das coisas?


Sim, acredito que essa foi a mensagem que Rowling quis passar com todo o terceiro livro. Ela trabalha com esse dualismo entre luz e sombras o tempo todo enquanto Harry anda na corda bamba desses dois aspectos, podendo sucumbir às trevas e se entregar aos Dementadores, já que de qualquer maneira sua vida está condenada por um assassino bruxo que o procura, ou, pode continuar a lutar, tentando encontrar uma maneira de fugir desse destino. Quando Hogwarts está ameaçado, Hogsmeade se torna um refúgio para Harry, quando Rony e Hermione brigam, é Hagrid e suas outras relações que o mantém são e salvo.


A frase de Dumbledore pode ser entendida de diversas maneiras, mas, acredito que ela é mais simplista do que realmente tentam justificar, é de literalmente encontrar a luz (Patronos) mesmo nos momentos mais escuros (ao enfrentar Dementadores). Também é uma forma de já justificar o final, quando Sirius Black, o assassino que procura Harry, na verdade é seu amado padrinho que é inocente de todos os crimes. A esperança, a parte boa de Harry, avaliando de uma maneira bem dualista, é o seu ponto de luz e ele nunca pode se esquecer de procurá-la nos momentos de escuridão.


Na frase “Não se preocupe. Você é tão normal quanto eu.", citada no quinto livro da saga, você crê que a autora quis passar a ideia de que não podemos julgar e apontar o dedo para uma pessoa e que precisamos aceitar o outro como ele é?


A existência de Luna por completo é uma forma de nos mostrar que as pessoas são geniosamente diferentes. A excêntrica Luna é uma de minhas personagens mais agradáveis, ela existe justamente para nos mostrar que devemos ser quem nós queremos ser, independentemente do que as outras pessoas pensam.


Concordo que essa foi a mensagem de Rowling sobre aceitação, Luna é um lembrete constante de que devemos aceitar os outros por suas particularidades, principalmente no momento em que ela proferiu essa frase e toda a questão que Harry enfrentava no momento, sentindo-se ameaçado e diferente dos demais por ver algo que os outros não eram capazes de compreender.


Como o leitor pode se relacionar com esta leitura? Você acha que o livro ajuda de alguma maneira as pessoas que leem?


Acho que nunca há apenas um modo de se identificar com uma leitura, é algo muito subjetivo. Contudo, se posso dizer que há uma maneira de fazer o leitor se relacionar com a leitura, diria que é pelo momento em que Harry está. Todos já estivemos nessa situação, enfrentando um monstro maior que nós, sem saber se somos capazes (ou se temos a coragem) de continuar a enfrentar as adversidades da vida.


É um profundo alívio saber que Harry conseguiu e, acredito que isso ajuda os leitores que de alguma maneira se identificam com ele, é um alívio saber que não vamos colapsar, que podemos enfrentar a escuridão. De uma maneira engraçada, Harry se torna a luz na escuridão para muitos jovens que se identificam com a depressão e acredito que pode nos ajudar a crescer com a nossa própria força.


Como foi a sua experiência com esse livro e quais suas considerações sobre o que é abordado nos livros?


Eu li O prisioneiro de Azkaban pela primeira vez aos 12 anos e na época eu era fissurada em Harry Potter, então, a minha experiência foi muito positiva. Agora, mais velha e com um repertório mais consolidado nos estudos literários, releio o livro sempre procurando por mais do que ele pode me oferecer a primeiro momento, o que também é extremamente positivo, principalmente quando nos deparamos com assuntos como estes sendo abordados na construção desse universo ficcional tão conhecido.


Acredito que os sete livros de Harry Potter abordam assuntos muito importantes do meio social e cultural ocidental que fornecem uma excelente discussão a respeito de nós e da sociedade. Eu cresci rodeada por Harry Potter e acredito que essa realidade foi a de milhares de pessoas com a minha idade, então, é divertido ver que é mais do que a história de um bruxo que enfrenta as forças do mal.


A fantasia é uma ótima maneira de introduzir a leitura aos jovens e disponibilizar discussões que são importantes de uma maneira mais leve. Querendo ou não, os Dementadores/Depressão são uma maneira de olharmos para o problema com maior atenção, pensando nos pormenores dessa questão e nos obrigando a refletir mais sobre esse aspecto e é justamente por isso que a literatura é tão importante e necessária em nossas vidas. Não poderia, então, deixar de concordar com a famosa frase “a arte salva”, porque a literatura é uma arte que vive nos salvando, seja apenas para entretenimento ou para fornecer discussões mais emblemáticas a respeito dos problemas que norteiam nossa vida a todo momento.



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