top of page

Crônicas na Pandemia

Foto do escritor: Revista Só LetrandoRevista Só Letrando

Atualizado: 19 de dez. de 2020

por Maria Clara


No segundo semestre de 2020, aconteceu, no Centro de Comunicação e Letras, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a oficina de Crônicas na Pandemia. Os textos foram produzidos pelos alunos de jornalismo, publicidade e letras e tiveram como intuito retratar a vida durante o período de quarentena. O projeto foi desenvolvido pelo professor de jornalismo, José Alves Trigo, em que, por ser um fã desse tipo de escrita – as crônicas – aceitou, carinhosamente, publicar uma parte das crônicas dos alunos na Só-letrando.

As crônicas pertencem às alunas Beatriz Ferro, Bianca Machado, Daniela Sinke e Isabela Maciesis, que retrataram, de forma magistral, uma pandemia que deixará marcas para o resto da vida. Tais textos servem como parte historiográfica para que num futuro possamos nos lembrar e recontar os acontecimentos de 2020.


Beatriz Ferro outubro 5, 2020


O fim

Esse dia parecia distante. Esperava por meses até me deparar com caixas e mais caixas espalhadas pela casa. Encontrei-me perdida no meio daquela multidão. Não queria ir embora e ao mesmo tempo sumir não parecia um problema. Era visível a pressa nos passos e olhos do meu pai. Ele agia inconscientemente, talvez? Acho que nunca vou saber. Toda a agitação se passava em câmera lenta na minha mente. Eu não conseguia me mexer. Uma memória incrível para guardar do lugar que chamei de lar por tanto tempo. Os últimos minutos foram os piores. Era o fim. Nada que eu fizesse importava. Adeus era o que eu tentava dizer, mas não encontrava as palavras. Adeus a maior árvore do jardim, que me servira sombra, aconchego e repouso. Adeus a escrivaninha do meu quarto, por tantas horas de apoio em bloqueios criativos. Adeus a cadeira rosa da varanda, vou sentir falta dos fins de tarde ensolarados. Vazio. Era o que eu sentia. Vazia por fora e por dentro. Nunca gostei de andar de carro. O trânsito. Ruídos descontrolados. O desespero. A pressa. O caminho parecia mais longo a cada quilômetro. No fundo dos meus óculos escuros, eu chorava. Talvez fosse tristeza. Ou alívio. Chorava descontroladamente, em silêncio, claro. Ninguém percebeu e essa era a intensão. Como poderia me apegar tanto a um espaço? Os últimos meses foram péssimos. Angustiantes. A vida acontecia lá fora, enquanto apenas as paredes me faziam companhia. Pela janela, observei o movimento e por um instante desejei estar ali. Percebi minha respiração cada vez mais lenta. Seria esse o fim? O silêncio permaneceu. “Chegamos!”. Disse minha mãe, com uma voz cansada e misturada com uma leve euforia. Eu também estava cansada, sem ao menos mover um músculo. O céu estava lindo naquela tarde de sexta-feira. A vista me impressionou. No meio de tantos prédios ainda consegui ver o reflexo do pôr do sol nas janelas. Por um segundo me perdi novamente. Talvez não seja o fim. Ou talvez seja um final com cara de recomeço. Recomeçar talvez seja inevitável. Doloroso. Necessário. E lindo.


Bianca Machado outubro 6, 2020


Ainda existem sorrisos em SP

Incrível como a proteção de janela, que antes servia apenas para orientar e precaver acidentes, agora parece nos sufocar. Com mais de seis meses dentro de casa, as vezes tenho a sensação de viver numa prisão. Apesar de toda dramaticidade em relação ao isolamento social, ainda existe brilho em viver. Ainda existe vida em São Paulo. Por isso eis um fato: crianças são sempre surpreendentes. Enquanto eu reclamava mentalmente sobre a sensação de me sentir em cárcere em minha própria casa, olho para fora da minha jaula, ou melhor, janela. No outro prédio, localizado a poucos metros do meu, está uma avó com uma criança no colo. O animado menino deveria ter entre 4 ou 5 anos. Ele sorria alegre para um homem que estava pendurado por meio de cordas logo ao lado de sua janela. O trabalhador estava retocando a pintura do prédio, que antes estava desgastada e repleta de imperfeições. Essa ingênua criança parecia ver um herói ali na sua frente. A quarentena faz nós revermos nossos conceitos de felicidade e nos mostra como pequenas coisas importam. Depois de muitos sorrisos a avó inicia a conversa:

– Olha lá Arthur! É o homem aranha! – ela diz sorrindo e depois volta o olhar para o homem – Ele adora o homem aranha!

O trabalhador para por alguns segundos o que estava fazendo, parecendo meio confuso com a situação. Não por maldade, mas por, talvez, nunca ter sido comparado a um super-herói. Ele dá um sorriso torto e começa a conversar como o menino, voltando a pintar a parede. Como se ainda fosse possível, os olhos do pequeno Arthur brilharam um tanto mais. Tento chegar mais perto para poder escutar a conversa, mas minha cabeça bate na infeliz grade de proteção. Respiro fundo. “Isso não pode me impedir”, penso. Dou dois passos para trás. A cena parecia ainda mais encantadora. O sorriso do menino contagiou os outros dois adultos. O peso do cansaço e do estresse parecia se esvaziar, mesmo que parcialmente naquele local. Dou um sorriso torto. Crianças superam adultos.


Daniela Sinke outubro 6, 2020


A beleza na homogeneidade

Esses dias, estava olhando stories do Instagram de pessoas que sigo quando veio um story de um professor de dança meu. O vídeo postado mostrava uma omelete queimada com duas áreas redondas ainda amarelas e embaixo uma parte indefinida que não estava totalmente queimada. Ah, e em letras pequenas estava escrita a palavra “socorro” na tela.

Os primeiros meses da pandemia, quando todos estavam o tempo todo em casa, fez com que muitos utilizassem esse tempo para realizar várias atividades para quais não tinham tempo antes e, claro, compartilhar esse conteúdo nas redes sociais. Era bem comum encontrar publicações de pessoas procurando aprimorar suas habilidades culinárias. Agora não sei bem o que estão compartilhando, mas ouvi que algumas pessoas que estão postando suas saídas durante a pandemia têm perdido seguidores. .

Mas voltando para a história da omelete, mandei uma mensagem para ele falando que aquilo estava parecendo um rosto com uma risada no final. Ele respondeu concordando e dizendo: “Que horror”. Preferia que tivesse queimado por inteiro a ter saído daquele jeito. Talvez aquilo tivesse sido melhor, pois parecia um rosto, mas não como aquele que poderia ser feito propositalmente com um sorriso, mas sim uma expressão de dor e de desespero. Quase como a pintura “O Grito” de Edvard Munch. Felizmente, apesar da aparência medonha, o gosto estava bom, de acordo com o que ele contou.

Essa situação fez com que me lembrasse de uma tentativa de fazer panquecas, daquelas que sempre aparecem como café da manhã dos americanos nos filmes, no início da quarentena. A receita fazia parte de um compilado de pratos que utilizam apenas três ingredientes. Tudo que precisava era: ovos, banana e canela. O modo de preparo era apenas misturar os ingredientes e depois passar a massa para frigideira. Parecia fácil.

A parte dos ingredientes e o primeiro passo da receita estavam garantidos, o problema estava na hora de virar a panqueca sem que ela perdesse a forma. Aquela devia ser a segunda ou a terceira tentativa. A primeira tentativa não foi um sucesso: ou tentava virar cedo demais ou a massa começava a grudar na frigideira. Foi então que pensei no que poderia fazer para ter sucesso com a receita. Seria utilizar mais ou menos massa de cada vez? Ou deixá-la tampada até que pudesse virar?

Em uma dessas vezes, testando essas teorias, consegui virar a panqueca sem que ela grudasse ou desmontasse. No entanto, quando vi o lado que antes estava para baixo, percebi que algo tinha dado errado: aquela parte tinha queimado completamente. Lá estava uma panqueca de lindo formato redondo, mas com um queimado que cobria perfeitamente um de seus lados. Não sabia se admirava o fato do queimado ter ficado tão homogêneo ou se me sentia triste por ter chegado àquele ponto.

Houve outras tentativas de fazer panquecas desde aquele dia. Segui sempre a mesma receita, tentei fazer com que permanecessem redondas. A cada panqueca que saía da frigideira, um formato abstrato diferente. Outro dia, inclusive, vi o vídeo de um ator naquela mesma rede social fazendo panquecas com uma receita parecida com a que tenho. Ainda irei testar fazer do mesmo jeito que ele. De qualquer forma, diria que estou melhorando. Afinal, estavam boas e é isso que importa.


Isabela Maciesis novembro 17, 2020



Sociais, mas nem tanto

As redes sociais existem para gerar engajamento, para dar oportunidades às pessoas para que elas interajam usando somente o aparelho celular. Principalmente durante essa pandemia, elas se mostraram ser bem úteis. Não sei como estaria interagindo com meus amigos sem esses aplicativos, já que odeio ligações. Provavelmente estaria isolada. Enfim, as redes nos aproximam, mas também nos distanciam. Era a coisa mais normal do mundo sair numa sexta-feira, ir ao Outback e ver casais, cada um em seu celular. Nossa, isso me irritava demais. É a pior coisa do mundo sair com alguém e essa pessoa não sair da porcaria desse celular. E perceba, é uma certeza que a pessoa estava numa rede social qualquer. Seja o Instagram, Facebook, qualquer uma. A pessoa estava acompanhada, por alguém de carne e osso e ironicamente não saía de uma rede social. Isso com certeza não é socializar. Acho que há tempos que deixamos de ser tão sociáveis. Às vezes me pego passando posts do Instagram sem prestar atenção em nada, totalmente automatizada, e isso me assusta um pouco. Passamos horas nessas redes sociais onde ninguém mostra sua essência e continuamos achando que estamos sendo sociais. Cada dia somos mais antissociais, isso sim. Perdidos nas redes.


Posts recentes

Ver tudo

Só eu que percebi?

Por Guilherme Marinaro Braida e Rafaella Caloi Remaili Há duas semanas, o Instagram estava cheio de publicações e de pessoas se...

Comments


Post: Blog2 Post

©2020 por Só-Letrando. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page