Por Junia Campos
Baseada nos romances de Sherryl Woods, a série estadunidense-canadense Chesapeake Shores, que estreou no ano de 2016 no Hallmark Channel e, pouco tempo depois, entrou para o catálogo da plataforma Netflix, retrata um drama familiar vivenciado pela família O’Brien, a qual muito tem a oferecer - indo para além das margens de uma sinopse genérica apresentada pelo streaming.
Em uma bela e tranquila cidade, em Maryland, encontra-se uma família composta por oito integrantes: Mick (Treat Williams) e Megan (Barbara Niven), pais de Abby (Meghan Ory), Kevin (Brendan Penny), Bree (Emillie Ullerup), Connor (Andrew Francis) e Jess (Laci J. Mailey), além da adorável Nell (Diane Ladd), mãe de Mick. O elenco também conta com a presença de vários outros personagens, que fazem parte da vida dos O’Brien, tanto no passado quanto no presente, o que adiciona à ficção grandes emoções.
A trama é iniciada e desenvolvida por meio de Abby, a primogênita da família e protagonista da série, que decide retornar para sua cidade natal após quinze anos. Inicialmente, tratava-se de uma viagem para um final de semana à casa da família, com o intuito de ajudar sua irmã mais nova nos negócios, mas, o que ela não imaginava, é que aquele curto período de tempo estaria prestes a mudar o curso de sua vida, assim como o de toda a família.
Todos viviam distantes uns dos outros devido às mágoas geradas pela separação de Mick e Megan, quando os filhos ainda eram pequenos, culminando na ausência do pai em decorrência do trabalho e um suposto abandono da mãe. Os filhos são criados pela vovó Nell, responsável por exercer um excelente trabalho na vida de cada um deles, porém seu amor, cuidado e sabedoria não foram capazes de inibir tamanho sofrimento e preencher certas lacunas, crescendo, então, carregados de tais sentimentos.
Em seguida, após Abby, grande empresária de Nova Iorque, estabelecer-se em Chesapeake com suas duas filhas pequenas, depois de um turbulento divórcio, seus irmãos e sua mãe retornaram para casa e, embora seus motivos tenham sido distintos, não tardou muito até que eles tivessem de enfrentar o doloroso passado.
A história trata de perda e superação e traz consigo um leque de reflexões. Entre elas, um intrigante questionamento: Existem feridas e traumas tão profundos que não possam ser cicatrizados? Algo quebrado em infinitos pedaços não pode ser reconstruído novamente?
Essas respostas são encontradas ao longo das quatro primeiras temporadas - a constantes e lentos passos, pois, quando se trata de processos, é um dia de cada vez - que revelam que o tempo, infelizmente, nem sempre, tem a capacidade de curar uma ferida. Antes, é necessário voltar ao passado, encarar os mais sombrios sentimentos, o outro e a si mesmo, para que se possa seguir em frente.
Dessa forma, cada personagem passa a entender que os acontecimentos negativos aos quais sobreviveram e que os construíram como são não os definem e ditam suas vidas, porém são marcas que contam suas histórias, com potencial de sabotá-los ou transformá-los e guiá-los a uma nova realidade, tanto individualmente quanto familiar, e que cabe a cada um decidir seu próprio destino.
Nessa viagem antagônica, regada a lágrimas e risos, dores e esperança, erros e acertos, perdas e conquistas, sorvetes na cama e smores na fogueira, cada um tece sua jornada, ao mesmo tempo em que se ajusta uns aos outros, ofertando a todos uma nova chance de ser família unida outra vez.

Nessa narrativa intimista, é possível enxergar cada personagem em sua essência, o que provoca um efeito de familiaridade. Os personagens geram nos espectadores reflexões sobre compreensão do mundo e das pessoas, sobre empatia e paciência, à medida que é possível ponderar como uma mesma situação pode impactar as pessoas de um modo particular, como cada indivíduo lida com seus fantasmas - o que é totalmente normal, uma vez que o ser humano é singular.
Assim a narrativa faz com que os espectadores se sintam não apenas próximos dos personagens, mas se reconheçam por meio deles - seja devido à personalidade, sua profissão (que varia entre empreiteiro, curadora, empresária, militar/paramédico, escritora, advogado, dona de pousada ou, até mesmo, dona de casa) ou pela maneira que conduzem suas vidas em tantos outros aspectos revelados gradualmente - o que torna a série ainda mais doce, humorada e instigante.
Quanto ao espaço, a maior parte da série acontece em Chesapeake Shores - cidade fictícia - na Baía de Chesapeake, que realmente existe, com alguns breves momentos em Nashville, no estado do Tennessee, e Nova Iorque, nos Estados Unidos. Tem deslumbrantes paisagens, uma visão quase perfeita da natureza, o que contrasta com o tema abordado que, embora conduzido de forma leve, é caótico, principalmente nas primeiras temporadas. A série transcorre em ordem linear, com a presença de flashbacks, o que traz ainda mais clareza e sentido aos fatos, quando se entende o passado como explicação por trás de certas ações no presente.
A 5ª temporada, lançada no final deste ano, apresenta a vida após todos enfrentarem suas tempestades. É sobre novos começos, mostrando que nossa jornada não está isenta de acontecimentos ruins, mas que é possível vencer e ser feliz. Para isso, basta seguir um simples ditado irlandês presente na série: “chore bastante, faça uma piada e vá caminhar". Em outras palavras: enfrente o que for, coloque isso para fora, encontre mais uma vez a alegria na vida e siga adiante. A 6ª temporada, ainda não confirmada, pode ser, talvez, a última dessa série que atingiu um nível elevado de audiência, devido a cada detalhe que a compõe.
É uma série tranquila, porém que aborda sérias questões inerentes à vida: perda, processos, perdão e superação em várias frentes. Revela-se, através do que os O’Brien vivem, uma grande verdade. Não importa o quão estável a vida seja financeiramente ou quantos bens materiais se conquistou ao longo dos anos. Quando se trata da vida e das relações, não há uma equação que garanta o sucesso. Apenas esforços daqueles que buscam incansavelmente uma forma de viver bem consigo mesmo, com o próximo e com seus contextos, entendendo que o essencial não é obtido com recursos, mas sim com amor!
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